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sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

DEMÔNIO ENTRE OS DEMÔNIOS


Na primavera de 1978 o escritor José Carlos Oliveira (1934-1986) veio se esconder em Vitória para tentar dar um tempo das esbórnias no Rio de Janeiro. Ficou hospedado na residência oficial do Governador do Estado, seu dileto amigo Élcio Álvares, por quem tinha grande respeito. Vide o que diz na página 103 de seu Diário Selvagem:

“Élcio se deitou na cama ao lado da minha às 21h e percebi sua ansiedade. (...) ele morre de medo de voar. (...) Decidido: se for só, irei com ele para lhe dar apoio moral. É o mínimo que posso fazer por esse amigo que desde os 15 anos se mostra psicologicamente cristalino. O bom e honrado rapaz (...) ele guarda as virtudes da adolescência (...) cego e surdo à malícia, à perfídia, à natureza maligna do outro. Desconheço de que maneira se esgueirou entre os demônios em Brasília e alcançou o Palácio Anchieta contra toda expectativa.

Carlinhos diz não saber, mas – pág. 122 - acabou fornecendo uma pista para responder esta questão:

“Atenção: D.J.M., marido de M.N. e preterido pelo Élcio quando desejava ser vice-governador, é agente do SNI ou DOPS ou DOI-Codi, ou tudo ao mesmo tempo.”

Segundo o casal dono do Jornal da Cidade (matutino extinto após o assassinato de Maria Nilce em 1989), Élcio se “esgueirou entre os demônios de Brasília” através da influência de Djalma Juarez Magalhães (O tal D.J.M.), com a promessa de apontá-lo como vice (Segundo artigo de Ueber José de Oliveira: o Presidente da República concedia a prerrogativa ao governador para pessoalmente escolher o seu Vice). Sabe-se-lá-porque Élcio Álvares "preteriu" o jornalista e acabou apontando Carlos Alberto Lindenberg "Carlito" Von Schilgen (1927-1992). 

http://www.periodicos.ufes.br/dimensoes/article/viewFile/6160/4501

Maria Nilce deixou um texto em que diz que nesse período Élcio “tinha tanta liberdade em sua casa que até a porta da geladeira abria.” Entretanto, imediatamente após garantida a nomeação, o novo “Governador Biônico” deu as costas ao casal do Jornal da Cidade. Numa jogada clássica: seduziu, prometeu e depois: “bananas”. Ao contar a história vindo "do lado de lá" e mencionar o eufemismo “preterido” Carlinhos trivialmente confirma esse fato. Mas será que Djalma Juarez Magalhães tinha mesmo toda essa influência em Brasília?

D. J. M. E OS REVOLUCIONÁRIOS DE 1964


Autor de dois bons romances - “Lama no Ventilador” (1973) e “O Anti-cristo” (1975), disponíveis em sebos de várias partes do país - Djalma demonstrava admiração pelos militares “revolucionários”, mas ele não era o único. Nascido em 1930, filho de Fernando Haeckel de Magalhães - gráfico de alguns jornais do Rio de Janeiro e da Revista Manchete – o escritor e os jovens daquela geração acompanharam aflitos as notícias da 2º Grande Guerra, os feitos da Força Expedicionária Brasileira, a tomada do Monte Castello, a vitória dos aliados. Nos “anos dourados” que se seguiram aqueles Marechais e Generais patropis seriam vistos como heróis nacionais, homens que encarnavam de fato o ideal de “morrer pela pátria e viver sem razão”. Os longos anos de chumbo mudariam isso tudo...

Segundo o jornalista Rogério Medeiros, o Jornal A Tribuna - do qual Djalma foi diretor até o final da década de 1960 - foi o único de Vitória a apoiar o que o exército chamava de “Revolução”, mas que até a Igreja Católica era favorável ao golpe. Veja um trecho do que o jornalista do Século Diário diz sobre o assunto:

“Em que pese a contribuição da Igreja em favor do golpe no Estado, o destaque maior era o jornalista Djalma Juarez Magalhães, que dirigia, na época, o jornal "A Tribuna.”
           

Ao apoiar a “revolução” Djalma mostrara idealismo, mas - como dizia Rogério Medeiros - sua participação fora panfletária, o escritor e jornalista não era membro do Exército; apenas acreditou que naquele momento o golpe era o melhor caminho para o país. Rogério lembra que no dia seguinte toda a imprensa capixaba se transformara: “A Gazeta virou golpista no dia dois de abril, tirou a direção (o diretor era Eloy Nogueira da Silva), botou o General (Darcy Pacheco de Queiroz, cunhado de Carlos Lindenberg) e tirou o Cariê”. Em Brasília, o alto comando militar confiava em Djalma, portanto, sua opinião quanto ao futuro governador de seu Estado, em alguma instância, deveria ser realmente relevante. 

Maria Nilce lembra, porém, que a maior desavença do casal com o governador não fora por conta daquela jogada clichê de prometer mundos e fundos para depois fechar a porta. Em seu quarto livro, intitulado Postais de Minha Vida, a colunista conta que Djalma - nascido em Vitória, mas criado no Rio de Janeiro desde os cinco anos – acreditara realmente nas promessas do “amigo” e ficara tão decepcionado que até pensava em voltar para a “Cidade Maravilhosa”. Maria foi procurar Élcio Álvares, tentava também entender o que acontecera e pedir sua ajuda. Descobriu, porém, que o governador nada tinha a oferecer além do mesmo jogo de sedução barata em troca de promessas vazias:

- Élcio, o Djalma está muito decepcionado com você, que lhe prometeu mundos e fundos e agora passa todo o tempo a evitá-lo. Pede a ele Élcio para não ir embora.
Abismada, vi Élcio colocar a mão em cima de minha coxa esquerda e me dizer carinhosamente: - Deixa ele ir embora. Deixa ele ir que a partir do dia quinze de março vou tomar conta de você, vou fazer de você a dona deste Estado, vou fazer do Jornal da Cidade o maior jornal deste estado.
Fiquei lívida. Primeiro, porque tinha Élcio Álvares como um irmão e aquele procedimento não era de um irmão. Segundo, eu fiquei decepcionadíssima, pois tinha uma enorme admiração por ele e constatei naquele instante estar diante de um canalha.

EXÉRCITO DO BEM - EXÉRCITO DO MAL

Voltemos à afirmação de Carlinhos Oliveira, hospedado na casa de um Governador Biônico do regime militar, de que um declarado opositor do governo seria um agente secreto do SNI ou coisa que o valha. Como pode ser isso? Os fatos históricos mostram que havia forças conflitantes dentro do exército, resta descobrir com clareza quem era do bem e quem era do mal aqui no Espírito Santo. Os arquivos do Dops – hoje disponíveis para consulta - mostram que o casal do Jornal da Cidade fora constantemente monitorado pelos milicos capixabas. Rogério Medeiros conta que Djalma, mais de uma vez, sofreu com a perseguição do exército:

Tinha uma briga de grupo. O Djalma tinha criado uma situação adversa para ele no 38º BI. Atuava como fosse uma liderança do movimento militar e se ligava em cima. E os caras daqui ficavam putos porque ele não dava confiança. Djalma jogava lá em cima, então os caras armaram para prender Djalma. Ditadura meu amigo...

Ungido pelos militares, após "preterir" Djalma e ser empossado, Maria Nilce conta que Élcio Álvares usou de sua influência para secar as fontes de renda do Jornal da Cidade e depois radicalizou ao tentar sem sucesso enquadrar o casal desafeto na Lei de Segurança Nacional, o que poderia gerar prisão de até seis anos (!) Não satisfeito, "aquele bom e honrado rapaz", em duas ocasiões mandou apreender a edição inteira do periódico causando-lhes grande prejuízo. O fato foi arrolado no inquérito dos “investigadores” do Dops sobre Maria Nilce Magalhães:

  
É digno de nota o fato dos infames “Arquivos Confidenciais do Dops” não trazerem realmente uma investigação. São alguns tópicos reunindo os mesmos comentários maliciosos que circulavam pelos botequins e salões de beleza de Vitória, no melhor (ou pior) estilo “onde tem fumaça tem fogo”. O “espião” não apresenta um documento contundente sequer, a não ser as notas debochadas publicadas pela colunista. Uma inclusive que mostra o quanto o “medo mortal de voar” que atormentava o governador - mencionado por Carlinhos - já fazia parte do folclore capixaba. Ho... Ho... Ho...

  
Talvez, por conta dessas “investigações” mal enjambradas o governador nunca tenha conseguido meter Maria Nilce e Djalma Juarez Magalhães na cadeia. E olha que ele tentou. Na pior (ou melhor) das hipóteses os militares ajudaram do ponto de vista histórico na elaboração deste texto, porque, após atentados a bomba e outros atos terroristas, muito pouca coisa do acervo do Jornal da Cidade chegou aos nossos dias. Foi uma agradável surpresa encontrar aquelas notinhas irreverentes colecionadas a título de “alta espionagem” e, ainda por cima, com a chancela de "confidencial". Para maiores informações com relação ao desaparecimento do acervo do Jornal da Cidade acesse o link abaixo:


A LENDA DA MULHER CORAJOSA E GUERREIRA

Pesa ainda contra o governo Élcio Álvares o fato de que os donos do Jornal da Cidade não seriam os únicos perseguidos durante seu mandato. Em sua coluna de O Globo do dia nove de agosto de 2014, a jornalista Míriam Leitão afirma o seguinte: “o início da minha vida profissional foi tumultuado pela perseguição da ditadura. No Espírito Santo, fui demitida de um jornal por ordem do governador Élcio Álvares”. O jornalista Rubinho Gomes escreveu um excelente artigo para o site Século Diário, rememorando este fato em detalhes:

Élcio passou a interferir diretamente na redação de A Tribuna. Foi quando ele exigiu da direção do jornal a demissão da jornalista Miriam Leitão (que havia sido presa em 1972) e outros que ele considerava "subversivos", como o estudante de Medicina Gustavo do Vale, o jornalista Jô Amado, o catarinense Nei Duclós, dentre outros. É bom lembrar que Miriam e Gustavo haviam sido presos naquele grupo acusado de integrar uma célula do PCdoB e que foi vítima de bárbaras torturas no quartel de Vila Velha do 38º Batalhão de Infantaria, fato que acaba de ganhar repercussão nacional, após anos de silêncio.  


Com esse panorama fornecido por Rubinho é possível perceber que os responsáveis pela repressão militar no Espírito Santo pertenciam ao 38º BI e seguiam ordens, fora o alto comando, do próprio governador. É possível, portanto, inferir que a “atenção” que Carlinhos dá ao fato de Djalma ser “agente do SNI ou DOPS ou DOI-Codi, ou tudo ao mesmo tempo”, pudesse ser fruto de “contrainformação” (fofoca em nível militar). Essa "informação" foi difundida pelos inimigos dos donos do Jornal da Cidade com o propósito de enfraquecer a influência e a credibilidade alcançada, especialmente por Maria Nilce, após ridicularizar impunemente o mandato inteiro daquele governador biônico do Espírito Santo. Vide a conclusão do texto “Quatro anos dentro de um túnel”:

Dos quatro anos do governo Élcio Álvares eu obtive uma enorme lição de vida, ganhei o respeito e a admiração de uma cidade inteira que não me viu dobrar os joelhos em momento algum. Saí desse túnel escuro muito mais forte, com uma enorme experiência e no dia seguinte em que Eurico Rezende assumiu o governo eu corri para a praia e como uma gaivota feliz levantei voo gritando aos quatro ventos um enorme bom dia para minha aurora que finalmente surgia. 

Maria Nilce e Djalma Juarez Magalhães 
NA PRÓXIMA POSTAGEM

Ainda com base nas memórias de Carlinhos Oliveira aprofundaremos este assunto investigando as “ligações perigosas” que podem ter contribuído para o surgimento do crime organizado no Espírito Santo. Movimento brutal e sangrento – de estilo plata o plomo - que virou mainstream na terra dos capixabas durante a década de 1990. 

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